Entrevista
Eduardo Giannetti

 
ENTREVISTA EDUARDO GIANNETTI

Perspectivas econômicas para os negócios

C onvidamos o economista Eduardo Giannetti para fazer um panorama do cenário político-econômico atual do Brasil e indicar desafios e caminhos que a sociedade brasileira deve buscar nas próximas décadas. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), Giannetti fez doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde foi professor, assim como na Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP). Hoje, é professor integral no Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). É autor de 12 livros, entre eles Vícios Privados, Benefícios Públicos? (1993); As Partes & o Todo (1995); e O Elogio do Vira-Lata (2018).

P: Considerando o atual cenário da economia brasileira, quais as oportunidades para os negócios?


R: Oportunidades para negócios vão existir sempre. Mesmo na Grande Depressão Americana (Crise de 1929) alguns setores conseguiram ir muito bem, e aquela foi uma mega depressão. A diferença é que quando a economia está crescendo, é como uma maré montante que carrega todos os barcos juntos. Quando a economia está refluindo ou o mar está parado, fica claro que não vai carregar por si só o crescimento econômico. Exige-se muito mais dos empresários no sentido de eficiência e de inovação.

Warren Buffett (investidor norte-americano) costumava dizer que é só quando a maré baixa que a gente descobre quem estava nadando nu. Isso vale para as empresas. Quando a maré baixa, as empresas que não estão numa posição sólida ficam numa situação constrangedora e muitas acabam sucumbindo. Recuperação judicial, falência, etc.

O nome do jogo é eficiência, fazer mais com menos, melhorar a relação insumo e produto – isso é muito importante –, ganhar eficiência e ao mesmo tempo inovação. Fazer o que outros não estão fazendo. Isso vale tanto para processo, quanto para produto, como para novos nichos de mercado. Exige-se muito mais empreendedorismo, muito mais criatividade e um senso de realidade também.

 
 

P: Em um Estado que também precisa cortar custos, a oferta de crédito atrelada a ele também interfere nos investimentos?


R: No momento, com a demanda baixa, com crescimento baixo e sem perspectivas favoráveis em relação ao futuro, a questão do crédito para o financiamento de investimento não é um fator limitativo operante. Isso vai se tornar [um fator limitativo] quando voltar a confiança e houver demanda por investimento.

Está havendo muita mudança. O BNDES está mudando seu papel e sua inserção na economia brasileira, acho que de uma maneira positiva, correta. Ele vai se concentrar mais em infraestrutura, em gás natural, em saneamento, e esse é realmente o papel do BNDES. E nós vamos ter que criar mecanismos de financiamento do investimento produtivo pelo crédito voluntário junto ao sistema bancário e outros instrumentos, como mercado de capitais.

Mas, no momento, isso não está pegando diretamente as empresas porque elas não estão animadas ainda a tirar da gaveta os projetos de investimento. Quando esses projetos começarem a ser considerados como realidades a serem implementadas é que a questão de investimento vai se tornar de fato muito relevante. Vamos ter que mudar o padrão, saindo de muita dependência do BNDES, como era o caso no passado recente, para um sistema bem mais voluntário e bem mais natural de financiamento.

P: Como o esgotamento do ciclo de expansão fiscal e o crescimento do gasto público impactam no futuro do Brasil?


R: A questão fiscal brasileira tem muitas dimensões. E pode ser abordada por muitos ângulos diferentes. Mas o essencial para mim, e isso deveria estar claro para todo cidadão brasileiro, é o seguinte: nós estamos em um País em que, de cada 100 reais de valor que os brasileiros geram com o seu trabalho, o governo arrecada 33 reais em impostos, considerando União, Estado e Municípios. É 33% do PIB. É uma carga tributária muito acima do que seria normal para um país de renda média. Os países da América Latina de renda média têm cargas tributárias ao redor de 25% do PIB, e o Brasil está com 33%.

Só que não para por aí. O Estado brasileiro gasta mais do que arrecada, tem um déficit nominal em torno de 7% do PIB. O que é o deficit nominal? O setor privado, as famílias, não gastam toda sua renda, elas poupam parte da renda. O Governo, precisando pagar além do que ele arrecada, pega parte dessa poupança das famílias e das empresas e entrega papéis de dívida pública, prometendo pagar no futuro com juros altos.

Então, ele retira 33% do PIB em impostos e absorve 7% da poupança privada para gastar além do que ele arrecada. Esse é um número fundamental: estamos em um país no qual 40% da renda nacional transita pelo setor público. É um número extremamente elevado.

Houve um ciclo de expansão fiscal no Brasil, não muito acentuado, que começa – não por coincidência – em 1988. Em 88, a carga tributária brasileira era parecida com a carga de países de renda média no mundo, ao redor de 24% ou 25% do PIB. De lá para cá, ela cresceu em todos os governos, já foi até maior do que é hoje, chegou a 36% do PIB e hoje está em torno de 33% do PIB, o que é muito alto. Mas esse movimento de expansão do ciclo fiscal acabou. Não há mais espaço para se resolver o problema fiscal aumentando tributação e impostos. Acho que esse caminho se esgotou.

O que nós vamos ter que melhorar é a qualidade do gasto público no Brasil. Porque realmente é inaceitável que um país no qual 40% da renda nacional é intermediada pelo setor público não invista nas áreas pertinentes do Estado, não tenha serviços públicos de qualidade ao cidadão e ainda tenha um deficit nominal que é preocupante e pode terminar mal se nada for feito.

P: Comente sobre a carga tributária, que saltou de 24% em 1988 para 33% atualmente.


R: O que está por trás desse ciclo de expansão fiscal e do desequilíbrio fiscal do Estado brasileiro? São vários itens. Eu vou elencar os principais: primeiro a previdência. Somos um país relativamente jovem com gasto de país europeu maduro. Daqueles 40% do PIB, 13,5% são gastos em benefícios previdenciários, somando o INSS e o regime especial de previdência dos servidores públicos.

Nós temos hoje, no Brasil, 7,5 pessoas em idade de trabalho para cada brasileiro acima de 64 anos. É uma demografia que ainda nos é favorável, mas não vai durar muito tempo. Em 2060, nós vamos ter 2,3 brasileiros em idade de trabalho para cada brasileiro acima de 64 anos.

Se nós já gastamos 13,5% do PIB com uma demografia em que a proporção de idosos ainda é pequena, não dá nem para imaginar o que vai ser quando chegarmos em 2060. Então, vai ter que mudar. Se não mudar por bem, a realidade vai se impor. Vai acontecer no Brasil inteiro o que já aconteceu nos Estados que quebraram, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

A segunda questão são os juros. Nós temos uma conta muito alta de juros porque a dívida é alta e os juros no Brasil são cronicamente elevados. Esse número caiu um pouco nos últimos anos graças a um trabalho competente do Banco Central e, também, à recessão que permitiu a queda da taxa de juros primários, mas ainda continua alta.

Outro fator que acho de primeira ordem remonta ao federalismo truncado. Em vez de trocarmos o modelo centralizado do regime militar pelo modelo descentralizado de um genuíno Estado Federativo, o que foi feito no fundo foi juntar um ao outro, acoplar um ao outro. Se tudo tivesse ocorrido a contento a partir de 1988, o crescimento do gasto nos Estados e Municípios deveria ter correspondido à queda dos gastos em Brasília: você troca um pelo outro, saiu do Estado unitário centralizado e entrou no Estado Federativo descentralizado.

Veja os números: os três níveis de governo no Brasil passaram a crescer ao mesmo tempo. Cresceu o gasto líquido da União, cresceu o gasto líquido dos Estados e cresceu o gasto líquido dos Municípios. A sociedade brasileira, que carregava um Estado, agora está carregando dois Estados sobrepostos nas costas. Isso custa muito caro. Por exemplo, foram criados mais de 1,5 mil municípios no Brasil de 1988 para cá, cada um deles com Câmara de Vereadores. Nós temos 5.570 Câmaras de Vereadores pagas pelo contribuinte brasileiro, está cheio de município brasileiro que gasta mais com Câmara de Vereadores do que com saneamento ou com saúde.

P: Estamos vivendo um momento de centralização federal ou descentralização da gestão pública?


R: Se você olhar a história do Brasil, percebe uma instabilidade em relação ao modelo federativo. É como se houvesse um pêndulo que vai alternadamente batendo para um lado ou para o outro. Vamos pegar da Independência para cá. Primeiro Reinado é um momento de forte centralização do governo central. Há uma grande concentração de poder nas mãos do Imperador. Com a Regência, há um movimento de descentralização. Aliás, foi um momento em que a unidade territorial brasileira sofreu enorme risco, muitos movimentos separatistas apareceram e foi por muito pouco que o Brasil manteve a sua unidade, tal era a força desses movimentos separatistas em um período de descentralização, como foi a Regência. Vem a maioridade do Imperador Dom Pedro II e se restabelece a centralização, o pêndulo volta de novo para muita concentração de poder no governo central.

A República no Brasil é feita em nome do Estado federativo, não é coincidência que o Brasil se chama República Federativa do Brasil. A grande bandeira republicana era a descentralização. Mais poder para os Estados e Municípios, especialmente para os Estados e menos poder na mão do governo central. O Brasil é, curiosamente, talvez o único país do mundo em que a República Federativa foi criada por um gesto do governo central. Não foram Estados Federados que se uniram para criar uma República Federativa. Foi decretada de cima para baixo. Isso leva à República Velha – dos governadores de Minas e São Paulo, os Estados protagonistas –, mas termina com a Revolução de 30, em que você tem um movimento muito violento de recentralização.

O Estado Novo levou a centralização do poder político e do poder fiscal no Brasil a um paroxismo nas mãos do governo federal, ainda no Rio de Janeiro. Getúlio Vargas nomeava até carteiro no Amazonas porque tudo passava pelo governo central. Com a redemocratização, em 1945, volta o pêndulo para descentralizar. Os Estados ganharam autonomia, ganharam condições de decidir suas próprias finanças, de se endividar inclusive lá fora. Você teve um movimento federativo de descentralização.

O Golpe de 1964 recentraliza de novo. Chegou-se o momento no Brasil em que para se nomear um secretário de finanças e de segurança nos Estados tinha que ter o aval de Brasília – era o binômio segurança e desenvolvimento. Os Estados não tinham mais sequer autonomia para nomear o seu secretariado. Foi um momento muito forte de centralização.

Com a constituição de 1988, o pêndulo, na redemocratização, volta para descentralizar. Foram transferidos para os Estados e Municípios uma série de atribuições que estavam concentradas na mão do governo central em transporte, educação, segurança, saúde e tudo mais. Só que houve um problema: você descentralizou as funções de governo, mas não descentralizou a autoridade para tributar. A arrecadação tributária no Brasil, que é muito alta, continua fortemente concentrada nas mãos do Governo Federal. Então, se criou um sistema no Brasil em que o dinheiro é recolhido em impostos federais e depois é repassado para os Estados e Municípios. E isso gera uma série de distorções e de problemas de alocação. Então você criou no Brasil, a partir de 1988, um sistema que eu chamo de federalismo truncado, em que você descentralizou funções de governo, mas não deu às instâncias federativas autonomia financeira e tributária para poder cumprir os novos papéis que a nova Constituição atribui.

 
 

P: Qual o ponto de equilíbrio de atuação do Estado para a recuperação econômica?


R: O Estado brasileiro precisa recuperar sua capacidade de investimento nas áreas em que ele é imprescindível e que, realmente, se ele não o fizer, não será feito. O saneamento, por exemplo, é uma área em que tem papel para o setor privado, mas tem muito saneamento que não tem rentabilidade e o Estado vai ter que fazer.

Agora, acho que o foco principal do investimento do setor público deveria ser capital humano, principalmente Ensino Fundamental. Realmente, é muito difícil imaginar um futuro favorável positivo para a economia brasileira se nós não melhorarmos dramaticamente a qualidade do ensino na etapa inicial, o Ensino Fundamental 1 e o Fundamental 2.

O futuro do Brasil não vai ser decidido em reuniões do Banco Central, não vai ser decidido no BNDES, não vai ser decidido na Bolsa de Valores. O futuro do Brasil vai ser decidido nas salas de aula do Ensino Fundamental. Se nós não constituirmos uma base sólida de formação humana, não há sistema econômico e regras do jogo econômico que deem conta do recado da prosperidade. Todo o processo histórico de desenvolvimento brasileiro foi muito voltado para a formação de capital físico: a industrialização, a urbanização e os grandes projetos de investimento do Estado.

O grande economista inglês Alfred Marshall dizia que o mais valioso entre todos os capitais é aquele investido em seres humanos. Isso não é dito em caráter humanitário, mas sim em caráter estritamente econômico. Desde a segunda revolução industrial e muito mais agora, na terceira e na quarta revolução industrial, é dos recursos humanos e da formação de competência humana que depende o crescimento e a prosperidade de uma nação.

P: Tivemos alguns ciclos de crescimento econômico puxados pelo Plano Real, depois consumo, pelas commodities, entre outras coisas, mas isso acabou. O que podemos vislumbrar para o próximo ciclo de crescimento econômico? No que será baseado?


R: O próximo ciclo de crescimento no Brasil, para que ele seja sustentável, tem que ser muito mais calcado em investimentos, em formação de capital do que em consumo.

Nós vamos ter que aumentar a proporção de recursos que destinamos à formação de capacidade de produção, na dimensão física – infraestrutura de transportes, geração de energia, transporte coletivo, ferrovias, a modernização da infraestrutura brasileira, investimento em capital físico nas empresas, como máquinas, equipamentos, plantas, edificações, construção civil –, mas também eu diria que, fundamentalmente, no capital humano.

A formação de recursos humanos é aquilo de que o Brasil mais precisa hoje para se tornar uma economia produtiva e isso tudo acompanhado de uma maior abertura econômica. O aumento da exportabilidade do PIB brasileiro é uma enorme avenida de crescimento que nós ainda temos pela frente. Não há precedente de economia de renda média que tenha vencido a armadilha da renda média que não seja pela maior integração ao fluxo mundial de comércio, e o Brasil não vai ser uma exceção a essa regra. Para vencer a armadilha da renda média, nós vamos ter que melhorar muito a nossa capacidade de vender para o mundo ao mesmo tempo em que venderemos uma parcela maior do nosso PIB para o mundo. Vamos passar a comprar do mundo também uma parcela maior do que consumimos. É uma via de mão dupla. Não se trata de gerar mega superavit de balança comercial, mas de vender mais para o mundo e comprar mais do mundo.

Então, eu acredito que investimentos em infraestrutura e formação de capital humano e aumento da exportabilidade do PIB, muito vocacionado para o mercado externo, é o que de fato vai sustentar um crescimento e aumento da produção ao Brasil.